Costumo brincar com o meu pai com isto.
A prova, por norma, ocorre sempre numa data próxima do 25 de Abril. Digo-lhe sempre que a minha contribuição para a liberdade é dedicar o meu sofrimento nesta prova. E este ano, que sofrimento! Mas sou crente que em matéria de sofrimento, a memória é curta. Certamente também sofri muito o ano passado e há dois anos.
Quanto à prova em si, para não variar, a ultima noite voltou a ser curta e má. Levantei-me às 5h20m. Comi, vesti-me e segui para a Expo (já tinha todo o material no carro desde a noite anterior). Cheguei por volta das 6h40m. A esta hora, os parques de estacionamento estão bem vazios. Estacionei o carro bem perto do pavilhão atlântico. Tranquilamente fiz o “check in”. Gosto de sentir o ambiente nesta altura. Todo o aparato, a agitação, as conversas, etc.
Às 7h40m dirigi-me para a partida. Fiz 10m de aquecimento e procurei colocar-me bem para a largada. Com tantos atletas, uma má colocação pode custar 2m no tempo final da natação.
A minha estratégia para o segmento passava por ir tranquilo. Apanhar "pés" o máximo possível para poupar energia. Já perto do final do segmento recordo-me de me lembrar que não tinha colocado os elásticos nos sapatos de ciclismo. Que estranho pensamento. Fiz uma T1 tranquila. Nem sequer olhei para o relógio para saber qual era o tempo da natação. No final percebi que tinha sido perfeitamente normal, como suspeitava.
Segui para o ciclismo. Ia controlar o meu esforço através do Ergomo e do pulsometro. A ideia era manter a potência entre os 240w e os 260w quando a rolar em plano e não deixar o ritmo cardíaco passar dos 150 bpm.
E assim fui durante a 1a volta. No decorrer da mesma, na saída do ic2, reparei que um grupo grande se vinha a formar atrás de mim e que me iria absorver mais cedo ou mais tarde. Aconteceu no inicio da 2a volta.
Este ano, ao contrário do que fiz há dois anos, decidi manter-me no grupo procurando sempre ir dentro da distância legal de drafting. Uma decisão pouco pacífica. Não me vou alongar aqui sobre a mesma, mas podem sempre ler o tópico "PT na estação do oriente" no forum da Tri-Oeste (http://www.tri-oeste.pt/). Neste grupo vinha o Paulo Guedes, que faz parte do meu grupo de corrida no Estádio Nacional. Mais à frente nesta crónica irão perceber o quanto importante são estes pequenos despiques particulares.
Rolei com o grupo (que absorveu igualmente o César) mais de uma volta. Tudo se desfez na 3a subida em Stª Iria. No final da mesma, dei por mim com os mais fortes do grupo. Ficamos uns 5 elementos próximos. A partir dai procurei não perder o contacto. Forcei o ritmo sabendo que estava já bem fora dos meus limites e que corria o risco de a corrida se transformar num pesadelo. Este “forcing” permitiu-me chegar à T2 aproximadamente 3m antes do Paulo Guedes. Esta vantagem acabou por ser decisiva. O Paulo é um bom maratonista. Sabia que viria detrás tentar "apanhar-me".
Surpreendentemente até sai da T2 relativamente solto e a 1a volta correu bem. Pelos cálculos, mantendo o ritmo, ia para 1h31m baixos. Demasiado bom para acreditar. A minha preocupação na altura eram as cambreas. Vinha com ameaças já desde o final do ciclismo. Por volta dos 8km, tudo mudou. Comecei a sentir as pernas super pesadas. Completamente destruídas (ainda hoje, 4 dias depois, tenho bastantes dores). Tive que baixar o ritmo. Entrei em modo de sobrevivência e ainda faltavam 12km. Uma eternidade.
No entanto, já aprendi de outras "guerras" que o sofrimento é sinusoidal. Vai e vem. E claro que quando volta, volta mais forte. Fui aguentando como podia esses momentos. Por vezes senti-me a arrastar-me completamente. A determinada altura decidi andar nas estações de reabastecimento. O objectivo passou a ser correr até chegar à seguinte. Depois logo se via.
No penúltimo reabastecimento já na 4a volta (a norte da Expo) percebi que o Paulo Guedes vinha muito perto. Demasiado. Talvez uns 20s. Arranquei ao ritmo que podia e decidi não parar no último reabastecimento. A meta estava a 1km. Procurei nunca olhar para trás, mas na esquina Sul da Marina, depois de passar os estrados de madeira, olhei pelo canto do olho e vi o Paulo mesmo muito perto. Uns 10s.
Nesse momento acelerei. Nem eu sabia que o conseguia fazer naquele estado. Foi instintivo. Estava a 500m da meta. Seria possível aguentar 500m aquele ritmo? Em teoria, não! Aguentei até entrar na recta da meta. Faltavam 300m. O corpo dizia para parar. Estava a sofrer e muito. Fixei o olhar no pórtico de meta e pensei: só paro quando lá chegar. E assim foi. Cheguei a gritar, a gemer. Quem estava na recta da meta deve ter ouvido. Foi um final de loucos. Mas sim, o Paulo não me passou:) 5s foi a diferença. Infima para o meu tempo final na prova. 4h42m.
Paulo, desde já te queria deixar um obrigado. Sem ti, não teria sobrevivido como o fiz na corrida. E muitos parabéns. Fantástica prova. Um exemplo para todos nós. O Paulo é V3 (esclação 50-55 anos)!
No final, estava completamente esgotado. Nada no corpo. Mas a sensação de satisfação era imensa. Tinha terminado, num tempo relativamente bom (embora eu ligue pouco ao tempo final) dentro de uma prestação que até a mim me surpreendeu.
Não cumpri o 3º objectivo a que me propunha. A tal pessoa era o João Durão. Faltaram 6m. Que é uma eternidade. Mas precisamos destes objectivos para nos motivarmos.
Agora é descansar esta semana. Ainda não sei qual será a próxima prova. Certamente estarei em Oeiras e Peniche. Mas o bichinho de Aveiro anda a moer…
Bons treinos